#10 | Escreve melhor quem lê mais
E lê mais quem consegue se desconectar um pouco nestes tempos cronicamente online
Quanto mais eu leio, melhor escrevo. Quanto menos eu leio, mais travada eu fico. E, no meio tempo, a internet come o meu cérebro, socorro!
É tudo tão simples e óbvio. Mas, mesmo sabendo disso, tem época em que, simplesmente, não consigo encaixar a leitura no meu dia. Porque nele tem que caber tanta coisa… Como vou colocar mais uma?
Ao mesmo tempo, se não leio, também passo a escrever menos. Afinal, tem tanta coisa pra fazer que a gente adia aquela hora do dia em que, finalmente, vai abrir o arquivo no computador e soltar a mão.
É tão mais fácil emendar uma coisa na outra — e aproveitar o intervalo para dar aquela scrollada nas redes sociais. (Menina, e agora que eu resolvi que vou, sim, usar o TikTok? Cada intervalo é um treino de algoritmo…).
O que me traz, exatamente, para o ponto deste texto: como a gente defende tempo para leitura se estamos pulando de tela em tela tentando absorver tanto “conteúdo"? E coloco conteúdo entre aspas porque um dia típico de uma pessoa cronicamente online mistura notícia com entretenimento, fofoca, influencers, tragédias, polêmicas… Numa quantidade e numa velocidade impossíveis de um cérebro humano dar conta, vale lembrar.
É muito mais fácil ficar “lendo a internet” do que parar para se entregar a uma leitura que não tem hiperlink ou pop up e ainda foge do assunto quente que “todo mundo tá falando". Nossos cérebros parecem desacostumados a operar numa trilha única, silenciosa, em preto e branco. Viciados em dopamina, custamos a nos concentrar no que antes era um hábito tão consolidado pra muitos de nós.
Mas a gente precisa fazer isso. E, se tiver muito difícil, precisa insistir ainda mais no treino. Do mesmo jeito que a gente já se deu conta de que precisa fazer exercício pra ter longevidade, a gente precisa ler para não cair na armadilha do sedentarismo cognitivo.
Treinar o cérebro, que, claramente, já percebeu que usar a inteligência artificial sabendo usá-la faz muito por nós. Mas e aí? A gente vai delegar nosso pensamento pra ela também? Nossas palavras? Nossa intimidade? Em busca de estar em dia com o ritmo acelerado em que vivemos, vamos passar a pedir pro ChatGPT resumir o que deveríamos ler? Socorro, parte 2.
Talvez essas perguntas soem obsoletas num futuro próximo. Mas já que ainda estamos aqui, no presente, eu penso: ler precisa ser não só um hábito como uma bandeira. Num mundo que nos quer acumulando informação, o que acontece quando a gente é impactado por uma leitura? E, de preferência, uma leitura que não é “útil” (“Como conquistar um marido em 30 dias", “Como fazer amigos e influenciar pessoas” etc), mas uma leitura que fazemos por prazer e com prazer.
Se nos querem ágeis e eficientes, imagina o nó na cabeça que dá em quem vê uma pessoa parando no meio do dia pra ler literatura?
Se nos querem colorindo livrinhos daquele jeito obsessivo dos vídeos do TikTok, imagina se a gente é a pessoa na sala de espera do médico com um livro em mãos?
Se nossos filhos cada vez mais têm acesso precoce a telas, imagina se o programa preferido deles se torna visitar uma livraria de rua no sábado à tarde?
Como já aprendi que leitura e escrita andam juntas, tenho tentando ler todos os dias, independentemente de como foi o meu dia. Nem que sejam cinco páginas. Nem que seja rapidinho. Nem que seja só para constar. Em algum momento do dia vai dar. Se essa for uma intenção clara e quase uma meta a ser cumprida (perdoa, rs).
Continuo cronicamente online, mas a sensação de devorar um livro bom tem me acompanhado com mais frequência. E, consequentemente, sei que isso me ajuda a escrever com mais fluidez também. Ô combo bom, viu? Por que a gente esquece?
Li dia desses que a Ana Maria Gonçalves não tem nem WhatsApp. Como sobra tempo, segundo ela, a leitura de livros flui bem. Fiquei com inveja, não posso negar.
Eu coloquei a leitura na minha rotina noturna. Todo dia, antes de dormir, eu leio. Seja 1 ou 10 páginas, eu sempre sento na cama, pego meu livro e começo a ler. Quando o sono vem eu coloco ele de lado e durmo, mas ajuda, tanto para desacelerar, quanto a ter esse hábito de leitura. Eu super indico.