#11 | Às vezes no silêncio da noite, eu fico imaginando nós dois: eu e meu tempo livre que não existe mais
Enquanto faço "revenge bedtime procrastination”, penso como era navegar na internet como eu fazia adolescente, aos 20, aos 30…
Às vezes no silêncio da noite, eu fico imaginando nós dois: eu e o computador. A gente esparramados no sofá, ele no meu colo, eu com um edredonzinho pra esse frio de 15 graus em São Paulo. Abrindo um monte de aba, lendo tudo, sem me preocupar com o tempo. Chegando até naquelas matérias de comportamento do New York Times. Mas abrindo, mesmo, um monte de texto massa aqui no Substack — tenho feito daqui a revista que adoro ler.
Mas essa cena não combina com a vida que tenho hoje. Sou mãe de criança pequena, então minhas noites giram em torno de dormir num horário bom porque amanhã ele pode acordar às 6h30, como faz quase todo dia. Ou pode despertar 5h40, como tem sido a moda nas últimas semanas. E sou aquele tipo de gente que precisa de uma boa noite de sono pra funcionar no dia seguinte.
Ou seja, durmo cedo porque preciso, tento esticar a corda porque sinto saudade de mim. Sabe aquela saudade de ficar sozinha, em silêncio, fazendo só o que quer, sem precisar olhar pro relógio? Sozinha à noite, quando todo mundo já dormiu, entre umas leituras, umas músicas, um pouco de TV. Sozinha curtindo aquele tempo em que a gente se abastece de vários nadas, em que a gente "só” existe, sem uma função. Sabe quando você começa uma série boa e maratona ela inteirinha? Até 3h da manhã, de preferência fazendo uma panela de brigadeiro pra acompanhar? Nunca mais vivi algo parecido.
No aniversário do filho de amigas, estava com outras amigas perto da piscina de bolinhas, e todas falávamos dessa saudade, da falta que faz esse tempo só pra gente. Sem responsabilidade, sem dia seguinte, com espontaneidade. Dizer sim pra um convite de última hora, sair, voltar sem pensar na hora, dormir até acordar.
Esses dias desisti de ir ao teatro porque a peça começava às 21h. Meu deus, sabe, pra quê? Rs. E era sexta, o dia que acumula o cansaço da semana inteira. É isso, um dia você vira uma pessoa que desiste de um programa porque sabe que dormir é fundamental pra existir bem no dia seguinte.
Mas, de vez em quando, a gente tenta. Ou insiste. Ousa, será? Tô eu aqui querendo ler até cansar. Ouvindo em looping “The upsetter", do Metronomy, que resgatei enquanto dirigia pra buscar meu filho na escola e me deu uma nostalgia tão boa, de quando sábados eram noites de sair pra dançar no Alley com os amigos. Nem é que eu tenha saudade da época, tenho virado especialista em gostar mais do presente, mas, nesse devaneio do tempo livre que não volta mais, a cena volta também.
Então, tô aqui. Tentando navegar na internet como se fosse 2014. Navegar na internet como eu fazia adolescente, aos 20, aos 30…
Uma vez me deparei com uma explicação ótima sobre "revenge bedtime procrastination”, algo como “procrastinação de vingança na hora de dormir", termo que descreve o comportamento de quem adia a hora de dormir pra ter um tempo pra si. É aquele momento em que a gente abre o celular e fica ali, fazendo carinho na tela, como diz um amigo meu. Olhando besteira, mergulhando no TikTok, abrindo mil abas, querendo devorar a rede mundial de computadores.
Não que isso abasteça realmente. Se eu estivesse aqui escrevendo uma newsletter pra Contente, eu falaria pra gente prestar atenção se estamos consumindo migalhas digitais, apodrecendo nosso cérebro.
Mas como mãe, depois de dez horas na rua entre festa de escola e festa de amiguinho, tudo que eu mais quero é fazer nada com meu computadorzinho no colo. E o bom é que, fazendo isso com tempo, me nutro também, porque tem muita coisa bonita sendo colocada aqui. Este texto da Fabiane Guimarães, por exemplo: Como multiplicar o tempo?
Eu não pensava muito na quantidade abundante de horas que eu tinha. Para escrever, principalmente. Sempre soube que escrever é um buraco de minhoca, um vórtice que te arrasta para outra dimensão, muitas vezes na vida sentei para continuar uma história e, quando dei por mim, já estava muito tarde. Mas nunca senti isso tão concretamente quanto agora. Porque quero escrever, eu preciso, por questões de prazo, mas também porque não paro de ter ideias, elas vão se acumulando e de alguma forma queria colocar tudo para fora — sinto que estou pensando em histórias no mesmo ritmo em que produzo leite. Entretanto as histórias estão quase empedrando aqui por falta de escape.
A gente insiste em existir como indivíduo. Em reencontrar quem já fomos. Em cavar espaço pra quem a gente é, pro que nos faz bem. Insiste até em esquecer por um momento que a gente é alguém que, até quando não está cuidando, está às voltas com pensamentos sobre o cuidado.
Um filho reorganiza a vida toda. A gente faz tudo caber no mesmo tempo que tinha antes. Multiplica as horas. E, se a gente ainda insiste em escrever, haja brecha, fresta, puxadinho, texto que começa no bloco de notas de celular ou num áudio enviado pra si mesma. E isso é bom, dá uma força, ou simplesmente deixa tudo mais assertivo: a gente, simplesmente, faz o que precisa ser feito.
Mas que dá saudade de uma noite de sábado à toa, curtindo a própria companhia, indo dormir sem se preocupar com o domingo chegando meio torto, dá. Saudade de voltar pra gente, de existir em silêncio, de fazer do tempo algo sem utilidade, de abrir espaço pro prazer.
O melhor caminho é sempre voltar pra gente, mesmo que os olhos estejam quase fechando porque o corpo se acostumou com a vida que tem hoje.
Nem sabia que o momento em que eu te lia tinha um nome: procrastinação de vingança na hora de dormir! Obrigada por isso. No mais, nossa individualidade se constrói e mantém também nas brechas da rotina. Não desista (falando para você, mas me olhando no espelho). Um beijo!
Sem filhos, mas compartilho dessa indisposição de sair para rolês que começam às 21h. Costumo brincar que ultimamente faço passeios bem cinderela, antes da meia noite em casa. Mas sim, reconheço que são universos bem diferentes. Que com o tempo haja mais tempo por aí.