#03 | De repente, num verão, voltei a ler como lia antes de ter filho
Ler como essa atividade fundamental dos meus dias, como parte essencial de quem sou. Ler mais para escrever melhor. Porque, quanto mais eu leio, mais afiada eu fico


Talvez um dos maiores nós da maternidade, pra mim, é o tempo. Meu filho tem três anos, e eu me sinto há mais de 1.000 dias tentando “controlar o calendário” não só utilizando as mãos, mas um caderninho, uma agenda do Google, fazendo rabiscos com desenhos de rotinas, pensando tanto no assunto que, talvez, se decidisse só deixar a vida me levar e não pensasse tanto, talvez já tivesse encontrado a solução, rs.
Defendo um tempo pra mim com muita vontade e, ainda, a boa vontade da minha mulher de sair com nosso filho pro parque num domingo de manhã pra que eu possa existir um pouco em silêncio.
Tenho pensando em como o tempo que a gente dedica ao trabalho tem engolido todo o nosso tempo. São as demandas que não acabam, a vulnerabilidade em tantos níveis, esse medo do que o mundo está se tornando – que acaba tendo um efeito de a gente se apegar ao que conhece e sabe fazer, uma ilusão de que assim a gente fica bem (quase como foi na pandemia pra mim, por exemplo, quando o trabalho era uma certeza, então o mergulho foi profundo).
Acrescente a isso o trabalho do cuidado. Para quem não está familiarizado com o termo, diz respeito a essa empreitada que é colocar um ser humano no mundo e criá-lo, educá-lo, alimentá-lo, mantê-lo limpo e em segurança. E, ainda, ensiná-lo sobre como lidar com suas emoções, proporcionar uma vida que presta, vê-lo brincando, estimulado, em contato com o mundo. Não só realizar funções, mas viver a vida junto com esse ser humano que é a coisa mais fascinante que você já viu na vida, com perdão do clichê.
No fim do dia, não sobra tempo.
Como escreve uma mãe?
Como escreve uma mãe que também tem um trabalho fora de casa?
Como tem tempo para o silêncio uma pessoa que cria um ser humano?
Em que tempo a gente existe para só ser, em vez de tanto fazer?
Essas perguntas rondam em looping na minha cabeça. E nem era sobre isso que eu queria escrever, mas acabei fazendo o preâmbulo, rs. Apesar de que queria contar, ainda, que essa semana meu filho falou “máquina", em vez de “mánika”. E meu coração ficou pequenininho. Meu bebê tá deixando de ser bebê, e isso é lindo, mas já dá saudade, ao mesmo tempo uau quanta autonomia e como assim meu deus parece que eu nem vi o tempo passar.
Mesmo com tudo isso, o cerne do texto era: eu voltei a ler como lia antes de ser mãe. Demorou três verões, mas meu momento chegou!
Agora que meu filho brinca com outras crianças, eu fico na rede lendo. Isso foi no começo do ano, e já parece que muito tempo passou. Não sei se foi a autonomia dele, a magia que a Bahia faz na gente, a minha insistência, mas o resultado é que li oito livros em duas semanas. Não conto o número pra ostentar, até porque voltei a São Paulo e ainda num consegui ler um livro inteiro, já fui engolida pela rotina. Mas pra dizer que, um dia, você volta a encontrar um pouco de quem já foi e de quem tanto sentiu saudade.
Eu sempre li muito, enquanto ele era bebê eu tentava ler também, sempre gostei de ler na presença dele pra que ele entendesse o quanto a mamãe gosta desse tempo dela com um livrinho na mão. E é lindo ver como ele entende e como também já é apaixonado por livros. Lemos todos os dias. Esses dias, passei duas horas lendo pra ele sem parar numa livraria, estamos chegando na fase dos dinossauros e dos muitos porquês.
Mas, ainda assim, a sensação de devorar um livro atrás do outro… Que saudade! Como isso faz parte de mim. E como eu senti falta. De me envolver com uma história e querer voltar pra ela em cada possibilidade de tempo. De grifar os trechos que me impressionam. De fazer conexões entre um livro e outro. Até de entrar no hype de ler o que todo mundo está lendo (alô, Miranda July!).
Ler como essa atividade fundamental dos meus dias, como parte essencial de quem eu sou. Ler mais para escrever melhor. Porque, quanto mais eu leio, mais afiada eu fico. Ler um livro emendado no outro como a gente emenda um capítulo de série no outro, com a diferença de que livro fica na gente de outro jeito. Ler para descansar também. Longe do feed infinito, dos conteúdos em 15 segundos, das trends, das tretas, da distopia que já é realidade. Ler todos os dias como quem malha e toma suas vitaminas todos os dias. Mais uma coisa que a gente tem pra fazer no dia e faz, simplesmente.
Cheguei a pensar que não ia ser mais possível. Porque filho é deslumbre, vontade de estar perto, enquanto é demanda incessante também. Mas um dia seu filho fica de boia no raso da piscina enquanto você toma sol na cadeira colocada na beirada. Ele e as outras crianças brincam, fazem a maior farra. E você está ali também, mais afastada um pouco, mas tão perto de você novamente.
Era uma vez um verão em que mamãe voltou a ser a leitora que sempre foi. Obrigada, tempo, andava com muita saudade de você.
Ainda não tenho filhos, mas a reflexão ressoou muito por aqui também. Como sempre, amei a leitura
Ai, Dani, que delícia. Eu sigo aqui emperrada que nem porta véia, mas insistindo. Resolvi começar um livro de 800 páginas que, pelos meus cálculos, vou terminar de ler em 2033. Mas vou indo e agora com boas notícias da Dani do futuro (Lena tá entrando no terrible two agora - oremos).