Leitura como antídoto para um cérebro cronicamente cheio de abas abertas
Depois de uma crise de ansiedade que me fez demorar pra voltar aos eixos, falo da leitura como mecanismo de regulação do corpo e da vida
Uma crise de ansiedade perturba o corpo para além do momento em que ela acontece. Pouco mais de uma semana depois de uma que me abalou, pareço, finalmente, estar voltando aos eixos. E isso tem a ver com o fato de que hoje eu voltei a ler. Ler livro. Ler livro no papel. Ler com tempo, me dar tempo pra ficar sozinha com um livro.
Comecei a manhã de domingo na companhia “Batida só", da Giovana Madalosso. Passar quase uma hora deitada na cama, com a casa em silêncio, já é o luxo dos luxos para uma mãe de criança pequena. Fazer isso depois de uma semana puxada de trabalho, que exigiu muito da minha presença e da minha voz, então, ganha ainda mais significado.
E me faz pensar no quanto ler é um mecanismo de regulação na minha vida. Eu preciso ler todos os dias. Não porque quero acumular uma lista de leituras e compartilhá-la no fim do ano, tampouco porque quero me iludir de que vou dar conta de todos os lançamentos que se empilham na minha cabeceira. Mas porque meu corpo se acostumou com a leitura, e eu preciso dela para viver bem o meu dia a dia.
Para além do que a leitura é e representa, percebo que, enquanto eu leio, meu cérebro vai se organizando. Sai daquela frequência do fazer, fazer, fazer e entra num movimento que flui, que pede calma, que convida a um mergulho em uma história diferente da minha. E isso muda a minha cabeça. Eu fico mais centrada, menos agoniada, parece que coloco a máscara de oxigênio primeiro em mim, sabe?
Sempre tenho vários livros ao lado da cama. No momento, estou lendo também “Um guia para se perder", de Rebecca Solnit, “Sintomas e o que mais aprendi quando o amor me decepcionou", da Marcela Ceribelli, e terminando “A vulva é uma ferida aberta & outros ensaios", de Gloria Anzaldúa (e aqui vale ler uma edição passada desta newsletter, onde Gloria é citada algumas vezes: Como escreve a escritora que não vive só de escrever?).
Cronicamente com muitas abas abertas, seja em qual suporte for, não tem jeito, rs.
Vou alternando as leituras de acordo com o mood do momento. É sempre bom ter mais de um livro na cabeceira (e um na bolsa também) pra não cair na armadilha de pegar o celular e passar meia hora deslizando pela tela vendo conteúdo que nem te interessa tanto. Troque stories por uma boa história. Faz bem demais pra cabeça.
Quando não pego nenhum livro e já vou direto pro capítulo do dia de “Vale Tudo” (amo tia Celina sempre com um livrinho em mãos; e adorei esse post da Bazar do tempo indicando leituras para os personagens) ou pra mais um episódio da série nova da Lena Dunham (“Too much"), percebo que dá ruim. Fico com um olho na tela grande, outro na tela pequena, naquele frenesi de quem já se acostumou a derreter o cérebro.
O corpo, mais uma vez, fala — e mostra a ansiedade vindo (ainda lamento que travessão virou coisa de ChatGPT, viu? Sempre usei e vou continuar usando, mas agora fico pensando: será que alguém vai achar que escrevi com inteligência artificial? Não escrevi, me recuso. Será questão de tempo? Assunto pra outra news…). Se eu não leio, parece que fica faltando algo no dia. Parece exagero, mas é a forma como meu corpo se habitou.
Mesmo sabendo disso, vivo a mesma vida exigente de qualquer um de vocês. Sou “atropelada” tantas vezes pelas demandas que dá até preguiça de contar. Então, tem semanas em que tudo o que eu leio é legenda de post no Instagram mesmo — e ainda bem que tem gente massa escrevendo por lá também.
Quanto mais o tempo passa, mais eu percebo que me tornei alguém que precisa de padrão e repetição para que o dia a dia flua. Venho, finalmente, me tornando o que mais queria: uma pessoa fã de hábitos. Preciso me exercitar com frequência, gosto de correr. Aliás, quando sei que vou ter um trabalho que exige bastante de mim, tenho experimentado me exercitar antes. Foi assim quando participei do TEDxBlumenau. Corri no começo do dia pra ter mais energia na hora de falar. Com a endorfina da atividade física, meu cérebro funciona melhor, minha voz sai com mais potência. Então, eu desenho o dia ideal e tento praticá-lo. Nem sempre dá, mas, quando dá, o meu corpo confirma o pensamento.
Além disso, quanto mais eu leio, melhor eu escrevo. Essa é uma obviedade, eu sei. Mas esse combo é realmente poderoso. Uma coisa puxa a outra, tudo se mistura. De novo, o cérebro parece que fica “azeitado” para fazer o que pedimos dele. E isso acaba reverberando em outras atividades também.
Nesses últimos dias, além de não ler, também não escrevi. E, se não escrevo, fica faltando um pedaço de mim. Até anoto uma frase ou outra no bloco de notas do celular, mas não é suficiente. Preciso de um raciocínio completo pra manter o meu cérebro funcionando direito, pra sentir que eu tô indo pelo caminho certo.
É bom entender isso, é bom entender o que a gente precisa fazer pra ficar bem. E que bom que a lista de livros pode ser sempre encarada como um novo convite, né? Se aquela leitura não está fluindo, qual outra pode combinar melhor com o momento? Pega algo que te pegue de jeito, que te convide pra passar algum tempo ali naquela companhia.
O importante é insistir. Saber voltar. Lembrar do que acontece quando a gente diz sim para o que a gente já sabe que funciona. Entender que ler é tão importante quanto escovar os dentes, passar fio dental, fazer todas as refeições, de preferência longe do celular. Ler para se colocar de volta nos trilhos. Ler para sair tanto de si, lembrando que a vida é muito maior do que qualquer episódio que tenta nos desestabilizar. Ler porque a gente é gente, e não máquina, a nós não interessa um resumo de um livro feito por IA, mas como aquela autora começa um parágrafo, como a outra desenvolve um raciocínio, como aquela terceira abre novas abas na cabeça da gente porque se colocou no papel, criou, imaginou, investigou, dividiu — e nos envolveu tanto a ponto de reforçar o quanto a leitura muda tanto na gente.
Viva os domingos, que nos dão essa chance de dar uma reiniciada no sistema. Num mundo com tantas distrações, escolher se dar tempo para ler um livro sempre vai fazer a gente voltar pra nós mesmas. Ainda bem.
Este ano tem sido o que mais li em toda minha vida. Estou me reconectando comigo mesma. E como você mesmo disse, quanto mais a gente lê, mais vontade dá de escrever.
Oi, também sinto muito isso, que a leitura me regula. Quando passo momentos sem conseguir sei que não estou em momento bom. Também sofro com a ansiedade.