#04 | Um livro cresce quando a gente volta às partes que grifamos nele
Caímos no risco de consumir literatura como quem maratona uma série. Voltar depois de ler parece uma maneira boa de deixar o livro dizer qual impacto teve na gente
Só sei ler com um lápis na mão. Os olhos lêem, as mãos acompanham. Grifo de um tudo: de uma abertura de capítulo que me faz pensar puta-que-pariu-como-pode-ser-tão-bom até uma escolha de palavras que salta das páginas. Palavras que não conheço, músicas que são citadas e sempre me fazem querer montar uma playlist pra saber mais do universo dos personagens ou mesmo de quem escreveu.
Sonho com o dia em que vou ter um arquivo todo organizado com todos os grifos que já fiz nos livros que tenho. Nunca vai acontecer, eu sei. Mas tenho essa mania de acreditar em virada de ano novo e comecei a elencar o que grifei nos livros que li entre dezembro e janeiro.
Um livro que nem tinha me pegado tanto, de repente, cresceu quando coloquei ali aqueles trechos.
“O que é que este poeta faz?
Poemas, respondi eu.
Para que servem?
Para muitas coisas. Há poemas que servem para ver o mar.”
É de “Vamos comprar um poeta", de Afonso Cruz, escritor português publicado pela editora Dublinense. Depois, segui com mais algumas partes:


“As pessoas veem o tempo passar enquanto nós vemos o tempo parar. Num segundo, numa eternidade.”
“É que antes de adormecer faço abdominais e flexões e alongamentos com a imaginação, para aquecer as articulações e os músculos da fantasia. Não quero ter sonhos com mialgias de esforço.
O que me trouxe para mais duas reflexões: para um livro ser bom, ele não precisa ser aquele do qual você não desgruda e quer recomendar pra todo mundo. Às vezes ele vai ser um que te dá boas frases para as quais você volta depois. E outra: nos tempos tão acelerados em que a gente vive, quantas vezes a gente deixa um livro “assentar” antes de passar para um outro? Caímos no risco de consumir literatura como quem maratona uma série. Lendo um atrás do outro sem, depois, sequer lembrar direito do que lemos. Parar e voltar depois de ler me parece uma maneira boa de deixar o livro dizer qual impacto teve na gente.
“A poesia, diz-me ele, transfigura o universo e faz emergir a realidade descrita com a absoluta precisão da ambiguidade. Nunca li um bom verso que não voasse da página em que foi escrito. A poesia é um dedo espetado na realidade.
Um poeta é como quem sai do banho e passa a mão pelo espelho embaciado para descobrir o seu próprio rosto.
(...) passar a mão pela realidade até vermos um sorriso.
O poeta dizia que os versos libertam as coisas. Que quando percebemos a poesia de uma pedra, libertamos a pedra da sua ‘pedridade'. Salvamos tudo com a beleza. Salvamos tudo com poemas. Olhamos para um ramo morto e ele floresce. Estava apenas esquecido de quem era. Temos de libertar as coisas. Isso é um grande trabalho.”
Como é sua relação com os grifos? Você é do time que grifa sem dó ou do time que acha um absurdo? Quais grifos te acompanham desde a sua leitura mais recente?
Dani, que bom ler você!
Grifo muito frases e trechos dos livros, e também tenho o hábito de ler com canetas e lápis.
Quando termino um livro copio tudo que grifei para um cadernão, é mais uma forma de internizar, lá moram juntas as frases de muitos escritores.
Os livros depois ficam separados um tempo em uma outra prateleira, deitados, como se estivessem ali descansando.
😘
Por pessoas que riscam seus livros ❤️