O fenômeno dos livros para colorir impressiona, mas me deixa encasquetada com a perda de espaço para leitura, inclusive de não ficção escrita por brasileiras
Penso bastante no fato de que vivemos uma infantilização da cultura de massa. Nem gosto desse nome, porque infância ao meu ver é algo muito sagrado pra carregar conotação negativa, mas é isso. Produtos que atendem uma faixa etária de 8 a 80 anos. Vemos isso em filmes, livros, e agora… em livros de colorir. Já que é assim, seria massa a gente voltar a colorir “Almanacão”, pra pelo menos ser algo culturalmente brasileiro.
Nossa, sim! Dá tanto pano pra manga, né? Mas me preocupa essa ideia de a gente só descansar a mente. É isso que as big techs querem também, gente sem pensamento crítico…
Só para conhecimento: existem livros similares da Turma da Mônica, por exemplo. O único problema do Almanacão original é a folha fina que não dá muitas chances de usar materiais diferentes e exercitar a criatividade. Busque por livro de colorir no Google e verá que tem para todos os gostos e níveis de complexidade. Me incomoda também esse movimento padronizado do Bobbie Goods, que foi importado e tem toda uma dinâmica e um discurso específico atrelados.
Vou lançar mais lenha no fogueira, pela perspectiva de uma leitora que também colore há cerca de 4 anos: Bobbie Goods e similares em minha visão é uma tiktokrização dos coloridos. Colorir com lápis de cor desenhos complexos leva tempo, por vezes semanas. Mas os BG, com seus desenhos simples e fofos, coloridos com marcadores, agilizam o processo e a dopamina de alcançar o resultado final. Ninguém tem paciência para esperar por mais nada. E paramos de aproveitar o processo para valorizar o resultado (o que importa é o desenho finalizado, assim como o livro todo lido). Passar dias, por vezes semanas, para terminar um livro parece demais nos dias atuais. Dito isso, confesso que me rendi e comprei meu primeiro Bobbie Goods esta semana, hehehhehe. E vamos tentando achar o equilíbrio entre desligar e ligar a mente. Nosso momento atual não é para principiantes...
Dani, muito interessante a sua reflexão! Não era algo que já tinha parado para pensar, mas agora refletindo, vejo que essa busca desenfreada por elementos e hobbies no estilo “comfy”, é mais uma forma de mercantilizar em cima de uma dor. Quem está buscando conforto e fuga da loucura da rotina, vai atrás de desacelerar e acaba caindo nesse funil do “cozy”, “aesthetic”, “minimalista”, etc. Então desacelerar se torna também um produto, assim como tudo a nossa volta… é um labirinto sem saída mesmo.
Como leitora, não posso achar normal um livro de colorir dividir a categoria com outros livros de ficção, mas como Artista Visual acho esses livros um grande respiro para crianças e adolescentes (e até adultos). Quem já pisou em uma sala de aula como docente atualmente sabe que nenhum aluno consegue não ficar disperso, saber que pelo menos estão se dedicando ao paciente ato de pintar, me alivia um pouco. Estão conseguindo fazer algo, finalmente!
Dani, seu texto me lembrou da febre das mandalas de colorir. Diziam que era relaxante, mas eu só sentia estresse. Nunca soube colorir bonito, e na primeira vez que saía da linha, já queria rasgar a folha. Rasguei várias. Tenho livros inacabados, desenhos pela metade. Um rastro de tentativas.
A gente vive cansado. E vive em busca de distrações pra tampar esse cansaço, esse vazio, essa pressão constante de dar conta de tudo. Até o tempo livre virou motivo de cobrança. Tudo precisa ser útil, bonito, compartilhável. Como se o valor estivesse sempre fora, nunca dentro.
Por isso seu texto me atravessou. Porque ele nos lembra do que tem se perdido no meio desse barulho todo: a pausa, a presença, a leitura com gosto, sem meta. Eu mesma passei anos perdida nessa sociedade que nos cobra tudo, inclusive a nossa diversão. E tenho feito, aos poucos, o movimento de voltar pra mim. Voltei a ler, escrever e fotografar. Não como tarefa, mas como forma de presença. E se algo nasce disso, que seja por transbordamento (e isso já é tanto, né?!).
E no meio de tanta distração fabricada, lembrar disso também é resistir. É insistir naquilo que ainda nos torna humanos.
E não vou nem entrar na discussão dos outros livros que figuram nas listas dos mais vendidos: é como ficar milionário comendo geleia, biografia de youtuber, guia de coach. Eu acho que a lista de livros mais vendido de um país diz demais sobre sua sociedade.
Nossa, bem interessante, Dani! É curioso esse ponto das imagens serem ‘cozy’ porque tem mesmo muito a ver com o zeitgeist, essa coisa da gente estar tão espremido pelo capitalismo tardio que a simples atitude offline de pintar um ursinho no conforto do lar se torna luxo. Lembro que há uns anos rolou uma febre semelhante com jardins e mandalas pra colorir, acho que na época natureza e esoterismo eram o grande lance, rs. Enfim, não coloro e não julgo, mas amo o poder das palavrinhas quando encadernadas <3
A pintura desses livros tem sido o meu momento com meu filho de seis anos. A hora que paramos antes de dormir pra pintar e trocar, hora que pensamos em cores, combinações, em que falo do meu dia e que me fala do dele. Escuto muita crítica sobre a infantilização da gente, mas no fundo estamos sempre alimentando a criança que fomos e ela adoraria esses momentos com a mãe.
Eu entendo a crítica, mas acho que tudo tem o seu lugar: pra pintura e pra leitura.
excelente texto, Dani! concordo principalmente com o desejo de fomentar a leitura entre os mais jovens, aumentar o número de leitores (porém sem saber exatamente como fazer isso). sobre livros de colorir, tenho minhas dúvidas sobre o quão esse "relaxamento" colorindo é verídico ou apenas performático para as redes sociais. muita gente compra os livros, canetinhas pra colorir e pinta para postar nas redes, depois larga tudo.
essa dúvida me surgiu quando fui bombarbdeada por conteúdos ensinando texturas para os desenhos, técnicas e lives para ensinar a melhor forma de colorir o livro. é claramente um negócio além do "colorir e relaxar", alimentado pela performance. já existe um padrão até pras pinturas porque vi gente justificando detalhes que não ficaram assim ou assado. a tendência é que até esse "relaxamento" comece a estressar seus adeptos tanto quanto outros objetos de consumo no meio do espetáculoem que vivemos.
Penso bastante no fato de que vivemos uma infantilização da cultura de massa. Nem gosto desse nome, porque infância ao meu ver é algo muito sagrado pra carregar conotação negativa, mas é isso. Produtos que atendem uma faixa etária de 8 a 80 anos. Vemos isso em filmes, livros, e agora… em livros de colorir. Já que é assim, seria massa a gente voltar a colorir “Almanacão”, pra pelo menos ser algo culturalmente brasileiro.
Nossa, sim! Dá tanto pano pra manga, né? Mas me preocupa essa ideia de a gente só descansar a mente. É isso que as big techs querem também, gente sem pensamento crítico…
Só para conhecimento: existem livros similares da Turma da Mônica, por exemplo. O único problema do Almanacão original é a folha fina que não dá muitas chances de usar materiais diferentes e exercitar a criatividade. Busque por livro de colorir no Google e verá que tem para todos os gostos e níveis de complexidade. Me incomoda também esse movimento padronizado do Bobbie Goods, que foi importado e tem toda uma dinâmica e um discurso específico atrelados.
Vou lançar mais lenha no fogueira, pela perspectiva de uma leitora que também colore há cerca de 4 anos: Bobbie Goods e similares em minha visão é uma tiktokrização dos coloridos. Colorir com lápis de cor desenhos complexos leva tempo, por vezes semanas. Mas os BG, com seus desenhos simples e fofos, coloridos com marcadores, agilizam o processo e a dopamina de alcançar o resultado final. Ninguém tem paciência para esperar por mais nada. E paramos de aproveitar o processo para valorizar o resultado (o que importa é o desenho finalizado, assim como o livro todo lido). Passar dias, por vezes semanas, para terminar um livro parece demais nos dias atuais. Dito isso, confesso que me rendi e comprei meu primeiro Bobbie Goods esta semana, hehehhehe. E vamos tentando achar o equilíbrio entre desligar e ligar a mente. Nosso momento atual não é para principiantes...
Dani, muito interessante a sua reflexão! Não era algo que já tinha parado para pensar, mas agora refletindo, vejo que essa busca desenfreada por elementos e hobbies no estilo “comfy”, é mais uma forma de mercantilizar em cima de uma dor. Quem está buscando conforto e fuga da loucura da rotina, vai atrás de desacelerar e acaba caindo nesse funil do “cozy”, “aesthetic”, “minimalista”, etc. Então desacelerar se torna também um produto, assim como tudo a nossa volta… é um labirinto sem saída mesmo.
Como leitora, não posso achar normal um livro de colorir dividir a categoria com outros livros de ficção, mas como Artista Visual acho esses livros um grande respiro para crianças e adolescentes (e até adultos). Quem já pisou em uma sala de aula como docente atualmente sabe que nenhum aluno consegue não ficar disperso, saber que pelo menos estão se dedicando ao paciente ato de pintar, me alivia um pouco. Estão conseguindo fazer algo, finalmente!
Dani, seu texto me lembrou da febre das mandalas de colorir. Diziam que era relaxante, mas eu só sentia estresse. Nunca soube colorir bonito, e na primeira vez que saía da linha, já queria rasgar a folha. Rasguei várias. Tenho livros inacabados, desenhos pela metade. Um rastro de tentativas.
A gente vive cansado. E vive em busca de distrações pra tampar esse cansaço, esse vazio, essa pressão constante de dar conta de tudo. Até o tempo livre virou motivo de cobrança. Tudo precisa ser útil, bonito, compartilhável. Como se o valor estivesse sempre fora, nunca dentro.
Por isso seu texto me atravessou. Porque ele nos lembra do que tem se perdido no meio desse barulho todo: a pausa, a presença, a leitura com gosto, sem meta. Eu mesma passei anos perdida nessa sociedade que nos cobra tudo, inclusive a nossa diversão. E tenho feito, aos poucos, o movimento de voltar pra mim. Voltei a ler, escrever e fotografar. Não como tarefa, mas como forma de presença. E se algo nasce disso, que seja por transbordamento (e isso já é tanto, né?!).
E no meio de tanta distração fabricada, lembrar disso também é resistir. É insistir naquilo que ainda nos torna humanos.
E não vou nem entrar na discussão dos outros livros que figuram nas listas dos mais vendidos: é como ficar milionário comendo geleia, biografia de youtuber, guia de coach. Eu acho que a lista de livros mais vendido de um país diz demais sobre sua sociedade.
Nossa, bem interessante, Dani! É curioso esse ponto das imagens serem ‘cozy’ porque tem mesmo muito a ver com o zeitgeist, essa coisa da gente estar tão espremido pelo capitalismo tardio que a simples atitude offline de pintar um ursinho no conforto do lar se torna luxo. Lembro que há uns anos rolou uma febre semelhante com jardins e mandalas pra colorir, acho que na época natureza e esoterismo eram o grande lance, rs. Enfim, não coloro e não julgo, mas amo o poder das palavrinhas quando encadernadas <3
A pintura desses livros tem sido o meu momento com meu filho de seis anos. A hora que paramos antes de dormir pra pintar e trocar, hora que pensamos em cores, combinações, em que falo do meu dia e que me fala do dele. Escuto muita crítica sobre a infantilização da gente, mas no fundo estamos sempre alimentando a criança que fomos e ela adoraria esses momentos com a mãe.
Eu entendo a crítica, mas acho que tudo tem o seu lugar: pra pintura e pra leitura.
excelente texto, Dani! concordo principalmente com o desejo de fomentar a leitura entre os mais jovens, aumentar o número de leitores (porém sem saber exatamente como fazer isso). sobre livros de colorir, tenho minhas dúvidas sobre o quão esse "relaxamento" colorindo é verídico ou apenas performático para as redes sociais. muita gente compra os livros, canetinhas pra colorir e pinta para postar nas redes, depois larga tudo.
essa dúvida me surgiu quando fui bombarbdeada por conteúdos ensinando texturas para os desenhos, técnicas e lives para ensinar a melhor forma de colorir o livro. é claramente um negócio além do "colorir e relaxar", alimentado pela performance. já existe um padrão até pras pinturas porque vi gente justificando detalhes que não ficaram assim ou assado. a tendência é que até esse "relaxamento" comece a estressar seus adeptos tanto quanto outros objetos de consumo no meio do espetáculoem que vivemos.